sábado, 30 de agosto de 2025

Como se formar através das filosofias: ou sobre buscar à sabedoria



Saudações estimados (as) leitores (as).

Diante da complexidade da existência humana, da existência material, da existência espiritual e da existência dialética, parece-nos fundamental propor diretrizes que conduzam à boa formação, ou, ao menos, que levantem o debate de como formar-se adequadamente através das tradições filosóficas.

Em primeiro lugar, por mais óbvio que possa parecer, é necessário esclarecer a premissa que um bom filósofo (a) é alguém rigoroso, crítico, que desenvolve um conjunto de habilidades, de competências, de hábitos que lhe fornecem conhecimentos capazes de lhe proporcionar uma forma própria, única e especial de lidar e de explicar a realidade.

Talvez muitas pessoas tenham curiosidades filosóficas, ou tenham experiências filosóficas, no entanto, o filosófo ou a filósofa é aquele ou aquela que conduzem uma vida adequada à tradição filosófica. Os (as) filósofos (as) são àqueles que sistematicamente perguntam e respondem questões relativas ao "o quê", ao "porquê", ao "como" e o "em quais condições" uma realidade se manifesta. Em outros termos, a simples curiosidade ou o conhecimento fragmentado de algum aspecto da tradição não concede a uma pessoa o título de filósofo (a) - aquele formado na filosofia.

As questões e as respostas da tradição filosófica são àquelas que motivam a curiosidade acerca da distinção entre aparência e essência, sua possibilidade de comparação, ou sua necessidade condicional. É uma curiosidade acerca das bases nais quais se sustentam a realidade e as explicações desta realidade, é a busca pela compreensão de como os fenômenos se manifestam para concretizar a realidade e o porquê desta manifestação.

É comum dizer que "um bom filósofo (a) não aceita ideias sem examiná-las criticamente". Sim, é exatamente o exercício das competências críticas de examinar a realidade o labor que torna a tradição filosófica diferente de qualquer outra manifestação epistêmica humana. E, ainda, para conseguir adquirir tal competência é necessário dominar com rigor as contribuições da tradição filosófica, ou seja, compreender como contribuiram para a formação do pensamento filosófico aqueles filósofos e filósofas que colocaram os seus nomes e suas capacidades explicitadas para que outros, como nós, pudéssemos trilhar os nossos próprios caminhos. A tradição filosófica chega perto do seu terceiro milênio de existência, com vitalidade, força e pertinência para a humanidade.

O filosofar é um compromisso com o que chamamos de "rigor lógico", ou "razão", ou, ainda, de "rigor argumentativo". Este rigor quer dizer que o filosofar deve, necessariamente, identificar e construir argumentos dentro de limites válidos, reconhecer falácias e evitar na medida permitida pela realidade as contradições. Em suma, o filosofar é o fundamento do qual se tornam legítimos os raciocínios através de metodologias que garantam a legitimidade do saber.

O filosofar deve compreender as diversas lógicas, a formal, a informal, a dialética, a estética, a epistêmica, a política, a ética, etc. Somente com a compreensão das razões é que nos distanciamos dos riscos do engano, da ignorância e da mentira. Somente distinguindo o válido do inválido podemos lidar com a dinâmica da realidade e da aparência.

Para um bom filosofar, ou um filosofar adequado, é preciso definir com precisão termos e condições para evitar ambiguidades ou desvios interpretativos significativos no sistema explicativo da realidade. Podemos chamar essa preocupação de " capacidade de clareza conceitual" ou de "linguagem técnica" para limitar os sentidos dos termos no estrito terreno e tempo a que servem e ainda permitindo que permaneçam instrumentos pelos quais podemos construir a nossa própria formação com rigor e precisão.

O caminho pelo qual devemos nos emepnhar, portanto, é bastante óbvio, é o estudo rigoroso, sistemático e crítico acerca dos fenômenos para distinguir a realidade da aparência. Para isso, os conhecimentos anteriores, a chamada " história da filosofia", aparece como um conjunto de instrumentos que permitem ao filosofar mecanismos adequados ou mecanismos de apoio para lidar com as problemáticas que enfrentamos.

Mas, evidentemente, não basta ter as ferramentas, conhecer a história da filosofia, para compreender a realidade. É preciso se apropriar de tal modo da tradição que ela não se torne dogma a ser repetido, mas, instrumento que nos permite identificar fenômenos, comparar situações, refletir problemas e indicar caminhos de compreensão. Filosofar é reconhecer a tradição, o rigor do estudo e o rigor da razão para contribuir para humanidade mesmo tendo uma existência limitada.

Caso o senhor ou a senhora, estimado leitor (a), permita um conselho. Uma vida sem filosofia é uma vida eminentemente suscetível a aparência, ao engano, ao falso, por isso, parece-nos relevante que todos nós humanos sejamos "buscadores da sabedoria". Filosofar pode ser para todos, mas não é. Somente os que trabalham para filosofar correm o risco de conseguir, os demais, infelizmente, não poderão acessar.


Espero que este texto lhe motive e incentive a buscar uma formação filosófica. Sim, você e todos nós podemos. Trabalhe para isso! Que tal começar agora? Escreva aqui nos comentários como você distingui uma experiência da realidade de uma experiência aparente e o que fundamenta a sua visão.

Respeitosamente.

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Homenagem ao senhor José Lopes, meu querido pai: em ocasião do terceiro ano de seu falecimento

Saudações estimados (as) leitores (as).


Existem muitos textos que escrevemos tendo plena consciência que o leitor que pretendemos atingir não poderá apreciar. Esta é uma dessas ocasiões. Os motivos deste tipo de texto são variados, neste caso em especial, trata-se de motivo oriundo do falecimento de meu querido pai há três anos, completados em 26 de agosto de 2025.


Talvez para algumas pessoas três anos em processo de luto seja adequado para aprender a lidar com a condição, para outros, não. Sinceramente, não saberia dizer em que estágio de luto estou, mas, tenho absoluta certeza de que oscilo entre momentos dilascerantes e momentos enaltecedores.


Os momentos dilascerantes são àqueles nos quais sinto a ausência, ausência física, corpórea, ausência em que uma conversa, um abraço, um sorriso, um olhar, em suma, um indicador de linguagem, permitia eu compreeender centenas de coisas que jamais conseguiria sem eles. Sim, o meu querido pai tinha uma capacidade enorme em atuar sobre a minha consciência. Não apenas pelo que falava, mas, ao contrário, pelas suas atitudes e gestos que muitas vezes diziam mais do que obras inteiras de grandes pensadores (as).


Já os momentos enaltecedores, estes são uma constante, linear, crescente, positiva. A cada dia compreendo melhor que tive uma oportunidade ímpar de ser criado por uma pessoa maravilhosa. Cada momento e cada convivência ficam marcados no que estou e com certeza no que serei. Não consigo imaginar formas de lidar com a morte.


Neste terceiro ano, arrisquei escrever alguns versos, nada de qualidade estética elevada, mas, palavras que utilizo para tentar compreender a minha própria experiência com a perda de um querido e estimado pai, palavras que me apoiei na tradição filosófica e que rocorri à outrem:


Morte: ou o fim?

A morte, um véu robusto que a vida sempre esconde,
Um fim inevitável, um enigma profundo
A Filosofia com as musas, com suas vozes que respondem: 
                "Busca no abismo o sentido do mundo"


Para o sábio que não escreve,
Filosofar é ao morrer se preparar. 
Alma e corpo, um laço que se rompe breve, tão breve
A imortal alma, para o saber voar
                Não temer o fim, mas a vida em si viver


Já em seu jardim, dizia o que busca pela sabedoria, 
"A morte não é nada, pois não nos alcança" 
Sentir é vida, no não-ser a ausência fria, 
Sem dor nem mal, sem temor nem mudança
                Desfrutar o agora, sem buscar a eternidade.


Os serenos, ensinam a aceitar, 
O que o destino impõe, sem vã resistência
No controle das vontades, a paz vamos encontrar, 
Com razão e virtude, na nossa existência 
                Meditar na morte, para bem saber viver


A vida afirmando em tom forte, 
Critica quem um além da vida procura
A dor, o trágico, a eterna dança da morte, 
Arte e criação, na essência mais pura
                Esculpir a si mesmo, obra viva a florescer.


A angústia desvendando, 
"ser-para-a-morte," a finitude a nos chamar
Na liberdade da escolha, a essência se criando, 
Um projeto no mundo, antes de findar
                A consciência do fim, um olhar autêntico nos traz.




Querido pai, sinto a sua falta e tenho presente o senhor. A morte findou, mas não finalizou.

domingo, 10 de novembro de 2024

Ler não é estudar, mas pode ser com o uso de técnicas

Muitas pessoas confundem ler com estudar. Embora existam vínculos e vivências muito próximas, a leitura e o estudo funcionam de formas diferentes e você pode utilizar a leitura para estudar desde que use metodologias que adequem uma ação à outra. Este trabalho visa lhe conferir referências para lidar com as situações de leitura e de estudo.


Saudações fraternas.


A leitura é uma atividade fundamental que permeia todos os aspectos da vida, especialmente em nossos tempos, sendo uma das principais fontes de informação e conhecimento que estruturam as nossas práticas cotidianas tanto em perspectiva pessoal quanto em perspectiva social. 


No entanto, é comum confundir a prática de ler com o ato de estudar. Embora possam parecer complementares, ler e estudar são processos distintos. Enquanto a leitura pode ser uma forma passiva de absorver conteúdo, o estudo exige uma abordagem mais ativa e crítica. 


Neste artigo, exploraremos como a leitura pode ser transformada em uma experiência de aprendizado eficaz quando acompanhada das técnicas apropriadas.


📌 Sobre a diferença entre ler e estudar:


Ler, em um sentido mais estrito, é o ato de decifrar símbolos e palavras, absorvendo informações de maneira mais ou menos passiva. É uma atividade que pode ser realizada de forma rápida e sem um propósito específico. Por exemplo, alguém pode ler um romance ou um artigo de jornal simplesmente para entretenimento ou informação superficial. Nesse contexto, a leitura não necessariamente resulta em aprendizado profundo ou retenção de conhecimento.


Por outro lado, estudar implica uma abordagem intencional e sistemática. Estudar envolve a análise crítica do material lido, a síntese de informações e a aplicação do conhecimento adquirido. É um processo ativo que requer concentração, reflexão e, muitas vezes, revisões. A diferença fundamental reside no propósito: enquanto ler pode ser uma atividade casual, estudar é um compromisso com a compreensão e a aplicação do conteúdo. No entanto, é possível utilizar a leitura como uma ferramenta poderosa de estudo, desde que se utilize a técnica certa.


Para distinguir de modo bem evidente, lembre quantas mensagens você leu em suas redes sociais, em seu WhatsApp, nas séries e filmes que assistiu, quantas delas foram utilizadas com a intenção de aprender algo? Quantas você nem sequer lembra de ter lido? Aqui reside a distinção do ato de ler e de estudar.


📌 Como transformar a leitura em estudo:


Para que a leitura se torne uma experiência de aprendizado, é necessário adotar algumas técnicas que promovam a assimilação e a retenção do conhecimento. Uma das abordagens mais eficazes é a chamada "leitura ativa". Isso significa que, ao invés de simplesmente passar os olhos pelas palavras, o leitor deve interagir com o texto de forma crítica. Isso pode incluir fazer anotações, sublinhar passagens importantes e formular perguntas sobre o conteúdo, ou até mesmo conversar com o texto. Essas técnicas ajudam a manter o foco e a estimular a reflexão sobre o que está sendo lido.


Outra técnica proveitosa é a "leitura reflexiva", que envolve a pausa para pensar sobre o que foi lido. Após cada capítulo ou seção, o leitor deve se perguntar: "Quais são os principais pontos abordados?", "Como isso se relaciona com o que já sei?" e "Como posso aplicar esse conhecimento na prática?". Essas reflexões permitem uma conexão mais profunda com o material e facilitam a retenção a longo prazo. Este ganho qualitativo na ação de ler é o que pode diferenciar de formas menos ativas de leitura.


Além disso, a "organização do tempo de leitura" é fundamental. Estabelecer um cronograma que divida o conteúdo em sessões menores e mais gerenciáveis pode tornar a leitura menos sobrecarregada e mais focada, produzindo intencionalidades especiais para a ação vivenciada. Isso também permite que o leitor tenha tempo para revisar e consolidar o que aprendeu, em vez de tentar absorver grandes volumes de informação de uma só vez.


📌A importância da curiosidade na leitura e no estudo:


Um fator crucial na transformação da leitura em estudo é a "curiosidade". Ter um interesse genuíno pelo que se está lendo pode aumentar significativamente a eficácia da aprendizagem. Quando o leitor se sente motivado e engajado, é mais provável que ele se aprofunde no material, busque informações adicionais e conecte conceitos. Essa curiosidade não apenas enriquece a experiência de leitura, mas também alimenta um ciclo contínuo de aprendizado.


Muitas vezes você consegue decodificar os símbolos que estão nas páginas, mas, será que você sabe de verdade os significados das palavras lidas? Você compreende os contextos específicos que levaram ao escritor a escrever daquela forma e não de outra? O que tornou a mensagem daquele jeito e não de outro? O que tornou aquele sentido específico? Em suma, ler exige uma determinada postura de decodificação, no entanto, isso significa que você compreender verdadeiramente os sentidos propostos? É o estudo sistemático que pode garantir os níveis mais elevados de compreensão do processo que está vivenciando.


A motivação também pode ser cultivada através da definição de "objetivos evidentes". Ao estabelecer metas de aprendizado, como a compreensão de um conceito específico ou a aplicação de um princípio em um projeto, o leitor pode direcionar sua leitura de forma mais eficaz. Esses objetivos servem como uma espécie de guia, ajudando a manter o foco e a aumentar a satisfação ao atingir marcos de aprendizado de um determinado objeto.


📌 Ler como um caminho para o estudo:


Embora ler e estudar sejam atividades distintas, a leitura pode – e deve – ser utilizada como uma ferramenta valiosa de aprendizado. Com a aplicação de técnicas adequadas, a leitura pode se transformar de uma atividade mais passiva em um processo ativo e enriquecedor. A leitura ativa, reflexiva e organizada, aliada a um espírito de curiosidade e motivação, pode levar a uma compreensão mais profunda e a uma retenção mais eficaz do conhecimento.


Portanto, ao abordar a leitura com a intenção de estudar, os indivíduos podem desbloquear um potencial significativo para o aprendizado. Ao final, a habilidade de ler bem – de maneira crítica e consciente – é uma competência que pode abrir portas para novas ideias, inovações e um entendimento mais amplo do mundo. Assim, ler não é apenas um ato de decifrar palavras, mas sim uma jornada rumo ao conhecimento e à sabedoria, quando realizado com a técnica certa.


Tendo em vista os elementos trazidos, talvez seja interessante que você, estimado leitor e estimada leitora, pare para refletir sobre qual o nível de passividade ou atividade que você vivencia ao realizar atividades de leitura.


Caso possa, ajude este material a chegar ao máximo de pessoas! Comente, compartilhe e curta nos canais de divulgação. Não esqueça de comentar aqui nesta publicação, como é o seu processo de leitura? Ele está alinhado com as conceituações propostas aqui?


Até breve.

Prof. Ricardo


Palavras-chave: Ler; estudar; leitura para o estudo; leitura ativa; leitura reflexiva; curiosidade; motivação; desenvolvimento pessoal; desenvolvimento acadêmico; intencionalidade na leitura.

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

A petição pública no direito brasileiro e no exercício da cidadania


A petição pública é um instrumento de cidadania que contribui para o exercício da atividade do povo como construtor dos destinos de sua própria cidade, Estado ou nação. Conhecer e utilizar este instrumento de forma adequada no exercício político pode engrandecer a democracia e fortalecer as legitimidades dos poderes, fundamentando os rumos das ações na responsabilidade do povo pelas decisões que toma.


Saudações fraternas.


A petição pública é um dos instrumentos de participação cidadã no Estado de Direito, especialmente importante nos regimes democráticos, desempenha um papel fundamental no contexto jurídico,  possibilitando que a população exerça sua voz de maneira formal e organizada. 


Este mecanismo, alinha-se ao princípio da democracia participativa, permite que indivíduos e grupos possam reivindicar direitos, apresentar demandas ou expressar opiniões sobre questões de interesse público. Ao longo deste artigo, exploraremos a importância da petição pública no Brasil, seus fundamentos legais, os procedimentos envolvidos e exemplos práticos que ilustram seu impacto na sociedade.


Parece-nos pertinente a explanação acerca desta temática, especialmente na medida que a maior parte dos Estados-nacionais modernos e contemporâneos construíram a sua legitimidade nas categorias políticas republicanas e defensoras de regimes democráticos, ou seja, as construções sociais de tais locais concentraram os seus esforços na compreensão das "coisas públicas", ou seja, na concepção de que os elementos nacionais são pertencentes a totalidade dos cidadãos, e, na categoria democrática onde o exercício do cuidado do público é exercido pelo poder legítimo do povo.


Para garantir a pertinência deste trabalho, focaremos em explicar a petição pública no regime jurídico, democrático e cidadão vigentes no Brasil. É preciso delimitar a escolha feita para esclarecer o leitor (a) que outras abordagens são possíveis e tão férteis quanto a proposta trazida nesta ocasião.


📌 O que é a Petição Pública?


A petição pública no Brasil na estrutura posterior a Constituição Federal de 1988 é um instrumento que possibilita a cidadãos e entidades coletivas solicitarem aos poderes públicos a adoção de medidas, a revisão de atos administrativos ou a criação de leis.


Diferentemente das petições comuns, que podem ser apresentadas por qualquer pessoa em uma manifestação individual, a petição pública requer a assinatura de um número mínimo de pessoas, o que a torna uma verdadeira e legítima manifestação da vontade coletiva. Essa característica é essencial, pois é o elemento que legitima a demanda e a torna mais relevante perante as autoridades públicas.


O conceito de petição pública nos moldes atuais de nossa nação está amparado por normas constitucionais, como o artigo 5º, inciso XXXIV, da Constituição Federal de 1988, que assegura a todos o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Essa previsão constitucional não só reconhece a importância da participação popular, mas também estabelece um canal formal para que a sociedade possa se manifestar sobre questões que a afetam diretamente. É um reflexo do entendimento de que a democracia não se limita ao voto, mas se estende à participação ativa dos cidadãos na formulação e na supervisão das políticas públicas.


📌 Fundamentos legais da petição pública:


A petição pública, embora não possua um regramento específico na legislação brasileira, encontra suporte em diversas normas que garantem o direito de manifestação e participação popular. Além da Constituição, outras legislações, como o Código de Processo Civil e a Lei de Acesso à Informação, também estabelecem diretrizes sobre o direito de petição e o dever do Estado de responder adequadamente às demandas apresentadas pela sociedade.


Um aspecto importante a ser destacado é que a petição pública não deve ser confundida com outros instrumentos jurídicos, como os mandados de segurança ou ações populares. Enquanto estas últimas têm um caráter mais técnico e podem exigir a atuação de advogados devidamente registrados para a atuação profissional no sistema jurídico vigente, a petição pública é um instrumento acessível a todos, permitindo que qualquer cidadão, independentemente de sua formação ou conhecimento jurídico, possa participar da vida política e social do país através da colocação coletiva diante de toda autoridade estatal.


📌Procedimentos para a apresentação de uma petição pública:


Para que uma petição pública seja considerada válida, é necessário seguir algumas etapas fundamentais.


Primeiramente, é preciso elaborar um texto claro e objetivo, que exponha a demanda de forma detalhada e fundamentada, em perspectiva das leis ou realidades vigentes ou argumentos que sustentem a crítica à uma lei ou realidade vigente. O conteúdo deve abordar os motivos pelos quais a solicitação é feita, apresentando dados e argumentos que comprovem a relevância da questão e justifiquem a manifestação coletiva em favor do objeto pedido.


Após a redação do documento, deve-se reunir as assinaturas necessárias. A quantidade mínima de assinaturas pode variar conforme o tipo de petição e o órgão ao qual se destina, mas em geral, quanto maior o número de apoiadores, maior será a capacidade de pressão exercida sobre as autoridades para que a demanda seja atendida. As assinaturas podem ser coletadas de forma presencial ou digital, sendo que, nos últimos anos, plataformas online têm facilitado esse processo e aumentado a visibilidade das causas - tal como o famoso portal Petição Pública Brasil .


Uma vez coletadas as assinaturas, a petição deve ser protocolada oficialmente junto ao órgão competente, no setor de atendimento ao público-cidadão. É fundamental que o cidadão esteja atento aos prazos e procedimentos específicos de cada entidade pública, pois isso pode influenciar na aceitação de uma determinada demanda. 


Após o protocolo, o órgão público tem a obrigação de analisar a petição e responder ao solicitante, oferecendo um retorno sobre as medidas que serão tomadas ou as razões pelas quais a demanda não poderá ser atendida.


📌Exemplos práticos de petições públicas no Brasil:


Diversas petições públicas já mobilizaram a sociedade brasileira e resultaram em mudanças significativas. Um exemplo emblemático é a petição que solicitou a criação da Lei Maria da Penha, uma legislação importante no combate à violência contra a mulher. A mobilização popular e a coleta de assinaturas foram fundamentais para que a discussão sobre o tema ganhasse força no Congresso Nacional, culminando na aprovação da lei em 2006.


Outro caso que merece destaque é a petição pela preservação de áreas verdes em grandes cidades, como São Paulo. A mobilização de cidadãos em defesa de parques e praças tem gerado resultados positivos, como a criação de novas áreas de lazer e a proteção de espaços naturais, que são essenciais para a qualidade de vida da população. Essas iniciativas demonstram o poder da coletividade e a eficácia das petições públicas como ferramenta de transformação social.


Evidentemente, o instrumento da petição pública é um dos mecanismos para precionar as autoridades públicas, por isso, para que tenham eficácia é preciso justamente precionar tais autoridades em direção do interesse peticionado. Precionar não é uma agressão, ou um violência, ao contrário, é um modo civil, educado e procedimental de demonstrar o que determinadas autoridades não conseguiram identificar. Caso o problema seja a própria autoridade, a petição tem o sentido de demonstrar que todo o poder democrática de nossa república reside no povo, fazendo com que a voz coletiva se sobreponha a interesses particulares ou de uma determinada autoridade que pode estar equivocada numa situação.


📌 Para concluir...


A petição pública no direito brasileiro é um instrumento poderoso que reflete a vontade da sociedade e permite que os cidadãos participem ativamente da vida política e da construção de um país mais justo e igualitário. 


Embora ainda exista um caminho a ser percorrido para que esse mecanismo seja amplamente utilizado e reconhecido, os exemplos de sucesso mostram que a mobilização popular pode, sim, fazer a diferença na vida das pessoas, das comunidades, das cidades, dos Estados e da nação. Sendo assim, é fundamental que cada cidadão conheça seus direitos e deveres, sabendo como utilizar a petição pública como uma forma de exercer sua cidadania e influenciar as decisões que impactam sua vida e de sua comunidade. A prática contínua da petição pública é um passo importante na construção de uma sociedade mais participativa e democrática.


Não se trata de um mecanismo simples e burocrático, mas, de um instrumento que possibilita a organização de um conjunto de ideias legitimados de forma coletiva que podem concretizar realidades que estão em alinhamento com os interesses e as compreensões do povo. Como todas as circunstâncias que envolvem a política, muitas vezes a diversidade e a pluralidade de ideias podem ressaltar os conflitos de uma sociedade, no entanto, este conflito ter espaço institucional e funcional de solução cria uma coesão social onde cada cidadão e todos em conjunto atuam na direção da participação coletiva, transformando os conflitos em oportunidades de transformação das condições vigentes em condições que buscam melhorar a vida e o bem comum.


Espero que este texto tenha lhe provocado na reflexão acerca das formas de participar de nossa democracia. Caso possa apoiar este projeto comente, curta e compartilhe para que possamos chegar ao máximo de pessoas possíveis.


Aproveitando, escreva nos comentários deste texto quais temas ou circunstâncias você proporia uma petição pública. Quem sabe outras pessoas não se interessam e iniciamos um movimento coletivo de proposta de novas realidades de nossa vida?


Respeitosamente.

Prof. Ricardo


Palavras-chave: Participação política; cidadania; exercício da cidadania; petição pública; petição pública como exercício da cidadania; o papel da petição pública no estado republicano e democratico.

domingo, 3 de novembro de 2024

Rede social com consciência: como usar o Instragram com responsabilidade

Saudações fraternas.


Devemos reconhecer que o Instagram se tornou rapidamente uma das plataformas mais populares do mundo na categoria comumente chamada de "redes sociais". A plataforma oferece uma espécie de "vitrine visual", utilizando fotografias, imagens, artes, criações publicitárias, vídeos, dentre outros suportes audiovisuais, como meio de expressão pessoal, social e comercial.


Por uma perspectiva, poderíamos afirmar que o uso do Instagram criou possibilidades de criatividade, de conexões humanas novas, mas, também precisamos reconhecer que criou espaços inversos, de limitação na criatividade das pessoas e espaços de segregação social.


Junto com o avanço da popularidade, surgiram problemas desafiadores e significativos relacionados ao uso responsável desta plataforma. As formas como os "usuários" interagem na plataforma pode impactar negativamente na saúde mental individual, pode impactar negativamente em fenômenos sociais, produzindo discursos e ações de ódio e, também, pode afetar a validade das informações recebidas pelas pessoas através daquilo que se tornou popular chamar de "fake news".


Neste contexto, abordaremos neste trabalho, uma tentativa de indicar caminhos que permitam o uso consciente e responsável desta plataforma, promovendo um ambiente digital mais propício para relações humanizadas, éticas, legais e tolerantes, em perspectivas individuais e sociais.


De algum modo o uso das redes sociais, inclusive o Instagram, parecem naturalizadas, como se fizessem parte de uma certa característica humana das relações sociais, no entanto, tal naturalização se dá porquê vislumbramos que na internet vigoram as mesmas regras do mundo "off-line", mas, com toda certeza não é isso que ocorre. As redes sociais virtuais misturam a base das relações humanas e comunicação com elementos absolutamente moldados para os limites de funcionamento de cada plataforma, em tudo que isso pode ter de inovador e também de limitador.


📌 A importância do uso consciente do Instagram:


Deveria ser óbvio, mas o uso consciente do Instagram é vital para garantir a função da plataforma como espaço que serve de forma positiva as pessoas e a sociedade, promovendo relações humanizadas, cidadãs, éticas, legais e democráticas.


Precisamos compreender que o Instagram é um ambiente repleto de imagens idealizadas que produzem comparações e levam a pressões sociais, que impactam indivíduos e a própria organização coletiva. Diante deste mundo de imagens idealizadas, modeladas, intencionadas, é fácil perder a vista da realidade e cair em "armadilhas" que podem levar à baixa estima por si, a ansiedade por não bater as "metas do sucesso", participações em discursos e movimentos baseados em fontes falsas, enviesadas ou errôneas. 


Não podemos nunca esquecer que estamos sendo confrontados, enquanto usuários individuais, com vidas, objetos de consumo, culturas, locais, que não são os nossos. Tais aparições, através das telas diante de nossos olhos, revelam os nossos desejos, anseios ou vontades íntimas, tendendo a nos levar a constante vivência da frustração da "pequenez" da "vida real". Diante destas frustrações, passamos a nos cobrar para alcançar metas cada vez mais elevadas para a nossa vida, que podem ter uma função positiva em caso de produção de autodesenvolvimento ou podem levar a uma permanente constatação do fracasso pessoal, ou, ainda, faz com que as pessoas atuem em suas publicações produzindo uma realidade paralela (falsa) onde fingem ser os objetos de seu desejo. É para mitigar estes efeitos negativos e obtusos que precisamos adorar um uso consciente do Instagram.


Ainda, a maneira como consumimos e compartilhamos os conteúdos do e no Instagram pode influenciar toda a dimensão cultural e as dinâmicas sociais. As redes sociais possuem o poder de modelar a opinião pública massificada, cria tendência e impacta as formas como as pessoas se relacionam fora do ambiente virtual. O modo como os conteúdos aparecem torna difícil classificar o conteúdo que está sendo apreciado. Como distinguir uma notícia verdadeira de uma falsa, uma anedota de uma opinião, uma piada de uma afirmativa? Ou a população passa a adquirir alto domínio dos recursos linguísticos e tecnológicos utilizados, ou simplesmente tudo aparece feito da mesma coisa, uma imagem trabalhada para emitir um significado, qual a validade do significado exposto? Isto é o que está em jogo no ambiente das redes sociais. Existem os que estão utilizando para produzir boas oportunidades, existem oportunistas, golpistas, existem vendedores, existem políticos e existem antipolíticos, tudo misturado e aparecendo com a "mesma forma".


📌 Quais as práticas responsáveis no Instagram?


Cultive um "Feed" ou vitrine responsável! Um dos primeiros passos para o uso responsável é curar, no sentido de curadoria, do que aparecerá para você. Siga os perfis e valorize através dos recursos da plataforma os conteúdos explicitamente responsáveis (aqueles que buscam apresentar a realidade, sem ocultar informações ou tentar ludibriar o usuário).


Busque perfis e publicações que inspiram, no sentido mais estrito do termo. Busque manter o contato com pessoas que lhe apoiem, que ajudam o seu desenvolvimento, que lhe ofereçam padrões reais de existência, em suma, que não permita que você tenha uma visão negativa de si e da realidade, mas que lhe proporcione uma visão consciente dos pontos que são bons, os que são ruins e como lidar com cada um deles de modo adequado.


Apoie conteúdos educativos no entretenimento. Ou seja, pense que o que você está consumindo em seu tempo livre é uma espécie de alimento para o seu intelecto, tudo bem comer uma "besteira" de vez em quando, mas, o ideal é ter uma dieta saudável. Para a sua mente também, é evidente que muitas das ofertas para o nosso alimento intelectual podem ser as "besteiras", as "guloseimas", talvez possamos consumi-las, mas, somente tendo consciência plena dos impactos que causam em nosso corpo/intelecto.


Nunca exite em deixar de seguir ou silenciar contas que promovam padrões de beleza, morais, econômicos, de vida, de política, em suma, em geral, que levem a negatividade, levam as atitudes destrutivas e violentas. Não subestime o poder que a tela diante dos nossos olhos possui, tudo aquilo que estamos "consumindo" nos afeta, afeta a nossa percepção de si e a nossa percepção acerca do mundo. Faça escolhas conscientes sobre o que consumir, como consumir, porquê consumir, quanto tempo consumir. Desta forma você contribui para um ambiente digital mais saudável.


Evidentemente, não estamos propondo que você viva numa "bolha", num ambiente absolutamente controlado para que você veja apenas conteúdos que projetou como positivos. A proposta é que os assuntos sérios sejam tratados com as devidas seriedade, as situações irreverentes sejam vividas com a alegria, as condições de tristeza com solidariedade. Dito de outro modo, precisamos compreender o ambiente para intervir na justa medida dele. 


É muito importante, também, que você entenda que o que você publica também é muito importante. Antes de publicar algum conteúdo considere os impactos que o seu conteúdo pode ter nos outros. Pergunte-se: "Qual é a mensagem que estou passando?", "qual o nível de exposição da minha própria vida ou de minha atividade que estou produzindo?" Ao ter um cuidado com a sua própria maneira de produzir nas redes sociais você se torna um agente de mudança, contribuindo para que o espaço seja visto como ambiente onde todos podem ser respeitados e valorizados.


Ao compartilhar informações ou conteúdos que envolver temas sensíveis, polêmicos ou que promovem debates, verifique a veracidade do que está divulgando. A desinformação pode se espalhar rapidamente nestes instrumentos virtuais, você pode estar alimentando um sistema negativo e de interesses obscuros, contrários aos princípios das nações democráticas atuais. Seja um consumidor e produtor crítico de informações, assim, preserva-se as relações, protege os vulneráveis e responsabiliza os com intenção negativa.


O uso excessivo do Instagram pode levar a sentimentos de ansiedade, de estresse e outras condições oriundas das quantidades vertiginosas de informações que passam diante de nossos olhos. Para buscar um equilíbrio mental, considere com seriedade limitar o tempo para interação na plataforma, isto vale para todas as idades - a política do Instagram é que a plataforma só pode utilizar acima de treze anos, mas, é deveras necessário atentar para o uso, tempo de uso e até o não uso em condições específicas para preservar a saúde mental e o bem-estar social.


Uma prática interessante pode ser a prática de "desintoxicação digital", que envolve períodos sem acesso às redes sociais, estimulando a concentração em outros tipos de atividades que podem garantir a qualidade de vida e o bem-estar social.


📌 Dimensões de responsabilidades:


Usar o Instagram com responsabilidade é uma escolha que requer conscientização e comprometimento tanto individuais quanto coletivos. Cada um de nós desempenha uma papel na criação de um espaço digital responsável.


No entanto, precisamos reconhecer que a responsabilidade não é exclusivamente individual. Para um ambiente saudável é necessário esforço coletivo. Devemos adotar práticas que contribuam para a promoção das melhores virtudes humanas e diminuir ao máximo possível os vícios e males.


A própria plataforma, o Instagram, também precisa atuar com muita responsabilidade para a construção de um ambiente saudável nas redes sociais, afinal de contas, eles dominam, controlam e gerem os conteúdos das plataforma, concedendo-lhe responsabilidade pelos conteúdos de seus usuários, os alcances das mensagens e as consequências dos conteúdos ali promovidos.


Enfim, o uso consciente pode ser uma via para o uso, mas, devemos entender que esta via só se concretizará com a atuação comprometida de todas as partes envolvidas. Sem o comprometimento problemas severos continuarão derivando do mal uso da plataforma e causando consequências individuais e coletivas.


O uso consciente é responsabilidade de todos e de cada um, cada cidadão e cada instituição social, inclusive as empresas privadas que se valem deste mecanismo.


Espero que este material ajude você a encarar de frente a realização de sua vida digital no Instagram. Caso tenha gostado, apoie este projeto comentando, compartilhando e criando a oportunidade para este material chegar ao máximo de pessoas.


Até breve.

Respeitosamente.

Prof. Ricardo


Palavras-chave: Instagram; Redes sociais; consciência; responsabilidade; uso responsável; consumo responsável; cidadania; pensamento crítico.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

"Quando tudo for privado, seremos privados de tudo": Uma crítica à privatização do bem e do serviço público


Saudações fraternas.

A privatização dos chamados bens e serviços públicos é um tema que permeia discussões econômicas, sociais e políticas ao redor de todo o mundo, revela-se uma questão complexa e multifacetada, mas que exige nosso empenho e atuação cidadã - especialmente porquê envolvem questões da realidade imediata, do acesso ou restrição à determinadas condições e acerca do futuro de quem acessará ou não estas determinadas condições.

À medida em que governos buscam soluções para problemas financeiros de caixa, disputas ideológicas ocorrem no seio da sociedade civil e supostamente todos tentam melhorar a eficiência dos serviços que chegam a cada cidadão ou consumidor - mesmo sabendo a problemática de utilizar o termo cidadão e consumidor lado a lado aqui, parece-nos necessário para o efeito do sentido da reflexão proposta -, a venda de ativos públicos, que podem ser bens ou serviços, torna-se uma alternativa atrativa para um setor da sociedade e um objeto de luta por outro. 

Essa estratégia, vender os chamados ativos públicos, pode gerar consequências profundas sobre a sociedade. A frase "quando tudo for privado, seremos privados de tudo" encapsula a essência de uma crítica que se intensifica à medida que a privatização avança, levantando questionamentos sobre a natureza do acesso e do direito aos bens essenciais - especialmente em condições onde o neoliberalismo vigora.

📌 O que está em jogo na privatização?

A privatização, em essência, envolve a transferência de bens e serviços do domínio público para a iniciativa privada. Mas, quem são os agentes físicos e jurídicos que são considerados membros da "iniciativa privada"? Quais os interesses que representam e qual o grau de responsabilidade que possuem para lidar com os bens e serviços de domínio público?

Essa proposta de mudança para a privatização, muitas vezes justificada pela promessa de maior eficiência e redução de custos, esconde uma realidade mais sombria. O acesso a serviços básicos, como saúde, educação e segurança, nos limites de todos os instrumentos existentes e os que ainda faltam, torna-se uma questão de capacidade financeira nos casos de privatização, em vez de um direito garantido a todos. Por exemplo, em países que adotaram políticas de privatização em larga escala, observou-se um aumento nas disparidades sociais. O setor privado, focado em lucro, tende a priorizar áreas que oferecem retorno financeiro, enquanto regiões marginalizadas podem ser deixadas de lado, criando um abismo entre classes sociais. Para demonstrar estes acontecimentos basta escolher o objeto público privatizado e fazer uma comparação sobre as mudanças provocadas pela desestatização - creio que você, estimado leitor e leitora, poderá fazer estas pesquisas e constatar com seus próprios critérios.

Ademais, a privatização pode resultar na deterioração da qualidade dos serviços prestados. Quando o objetivo principal é maximizar os lucros, o investimento em infraestrutura, a manutenção e capacitação de profissionais muitas vezes são negligenciados. Um exemplo claro é o setor de saúde. Em várias nações que implantaram sistemas de saúde privatizados, a dificuldade de acesso a tratamentos essenciais se tornou uma realidade alarmante. As pessoas se veem forçadas a optar entre a saúde e a ruína financeira, algo que contraria a premissa de que a saúde deve ser um direito universal. E, ainda, isso pode ser vislumbrado em uma grande quantidade de setores, tais como a educação, a segurança pública, o saneamento básico, etc.

📌 Um olhar sobre o impacto social:

O impacto social da privatização não se limita apenas à qualidade dos serviços, mas também se estende à coesão social, ou seja, a quantidade e coesão da unidade social. Quando os bens públicos são privatizados, a sensação de pertencimento e responsabilidade coletiva diminui. A comunidade, antes unida em torno de um bem comum, se fragmenta em interesses individuais e concorrentes, convertendo sem critérios críticos a cidadania em relações de consumo, o cidadão em consumidor. Essa transformação pode levar ao aumento da desconfiança entre os cidadãos e à erosão do capital social, essencial para a construção de uma sociedade saudável e funcional. Um estudo realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destacou que sociedades com maior coesão social apresentam melhores índices de felicidade e desenvolvimento humano.

Além disso, a privatização pode criar um ciclo vicioso de dependência econômica. Com serviços essenciais dominados por empresas privadas, o governo se vê na posição de regular práticas que muitas vezes favorecem o lucro em detrimento do bem-estar social, ou, ainda, coloca os governos como pagadores das expectativas de lucros como se fossem gastos de manutenção do serviço, uma anomalia que é subsidiar com o dinheiro do Estado os serviços, transferindo diretamente dinheiro público para o privado sob a justificativa de manutenção do interesse social (cobrir quem não pagaria as taxas propostas pelo privado), mas que faz pelo valor imposto pela empresa que envolve a sua meta e expectativa de lucro e não o custo real do serviço ou bem. Um exemplo clássico é a privatização do sistema de água em várias cidades ao redor do mundo. Em muitos casos, as tarifas aumentaram drasticamente, levando comunidades a lutarem por acesso a um recurso que deveria ser universal. A luta por água potável se torna um reflexo da luta por dignidade, evidenciando como a privatização pode transformar um bem essencial em um produto de luxo.

📌 Alternativas à privatização: Enfoque na gestão pública eficiente.

Diante dos desafios impostos pela privatização, surge a necessidade de repensar o papel do Estado na gestão de bens e serviços públicos. A eficácia da gestão pública pode, de fato, proporcionar soluções viáveis sem a necessidade de transferir ativos essenciais para a iniciativa privada. Diversos estudos apontam que modelos de gestão colaborativa e participativa podem resultar em serviços de qualidade superior, com um foco maior nas necessidades da população. A experiência de países que mantém um forte controle estatal sobre recursos naturais, demonstra que é possível conciliar eficiência e responsabilidade social.

Investir em transparência e participação democrática cidadã na gestão pública é fundamental para restaurar a confiança da população. Quando os cidadãos se sentem parte do processo decisório, o engajamento aumenta e, consequentemente, a qualidade dos serviços se eleva. Programas de participação cidadã na gestão de serviços públicos têm mostrado resultados positivos em diversas localidades, promovendo um novo paradigma onde a coletividade e a solidariedade são priorizadas.

📌 Um chamado à ação:

A privatização de bens públicos não é apenas uma questão econômica, mas um dilema ético e social que afeta profundamente a vida de milhões. A frase "quando tudo for privado, seremos privados de tudo" serve como um alerta para a necessidade de repensar nossas prioridades enquanto sociedade. A busca por eficiência não deve se sobrepor ao direito fundamental de acesso a bens e serviços essenciais. É imperativo que se explorem alternativas que enfatizem a gestão pública eficiente, a transparência e a participação cidadã.

A luta por um futuro onde a dignidade humana e o acesso igualitário a recursos essenciais sejam garantidos é uma responsabilidade coletiva. Somente através da conscientização e da ação conjunta poderemos garantir que a privatização não se torne uma barreira ao desenvolvimento social, mas sim um passo em direção a uma sociedade mais justa e equitativa.

Deveras, os exemplos argumentativos deste texto se valem sumariamente de fatos perceptivos pelo senso comum e a vista dos noticiários tradicionais, no entanto, a investigação pode e assume escalas de pesquisa científica-acadêmica. Por se tratar de um primeiro texto deste autor sobre o tema, pareceu-me justo poder partir desta base menos rígida para demonstrar as ideias, os conceitos e os significados envolvidos. Em novas ocasiões o cunho especializado e metodológico serão incorporados - sempre mantendo a preocupação didática explicativa.

E você, pensa com seriedade o tema da privatização ou estatização dos bens e serviços públicos? Entende a necessidade e validade deste debate público e a importância do seu posicionamento neste movimento?

Caso tenha gostado, por gentileza, ajude este projeto. Compartilhe, comente e curta para fortalecer o nosso alcance e promover as melhores virtudes de nosso povo.

Até breve.
Respeitosamente.
Prof. Ricardo

Palavras-chave: Privatização; Gestão Pública; Serviço Público; Eficiência; Transparência; Interesse Social; bem público; ativo público.

domingo, 20 de outubro de 2024

A "Filosofia" nas palavras cantadas por Noel Rosa


Saudações fraternas. 

Noel Rosa (1910-1937), um dos maiores nomes da música brasileira, nos presenteou com um vasto repertório que transcende a música, demonstrando a sua relevância cultural e, cá entre nós, trazendo para a esfera popular temas sofisticados tal como a Filosofia. Suas canções, repletas de ironia e crítica social, convidam à reflexão sobre a condição humana. A música "Filosofia" é um excelente exemplo disso, abordando temas profundos de forma poética e acessível.


Nesta ocasião, gostaríamos de propor uma interpretação reflexiva de como o gênio de Noel Rosa pode instigar a reflexão pessoal, mas, também, instigar para um olhar voltado para a tradição filosófica.


Evidentemente, por se tratar de uma canção, talvez seja muito adequado começar a nossa reflexão ouvindo sua interpretação poética e conhecer detalhadamente a letra:


Filosofia

O mundo me condena e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome!
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome?

Mas, a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente, assim!
Nesta prontidão, sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim!

Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga!
Pois, cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora, vagabundo!

Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro mas
Não compra alegria!
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia!

Compositores: Noel Rosa (1910-1937) e André Filho (1906-1974)


📌 Uma Desconstrução:


Em "Filosofia", Noel Rosa nos convida a uma reflexão sobre a vida, a sociedade e o indivíduo. A letra, aparentemente simples, revela uma complexidade que nos leva a questionar nossas próprias escolhas e a forma como nos relacionamos com o mundo.


A letra da música coloca em evidência o conflito entre o desejo de individualidade e as imposições sociais. Noel Rosa se questiona sobre a melhor forma de viver, se conformando às regras da sociedade ou seguindo seus próprios instintos. Podemos dizer que esta dualidade é uma questão filosófica na medida em que considerarmos se é possível ou não separar indivíduo e coletividade, ou em determinar os níveis que se manifestam tal relação, categorizando e racionalizando a vida à moda filosófica.


A busca incessante pela felicidade é outro tema central da canção. Noel Rosa ironiza a ideia de que a felicidade possa ser encontrada em bens materiais ou em uma vida de aparências. Ele sugere que a verdadeira felicidade está em encontrar um equilíbrio entre os desejos pessoais e as necessidades da alma. No fim das contas, embora exija-se socialmente a aparência da riqueza, Noel deixa explícito que o objeto da da verdade da vida não reside ali.


A letra da música também é uma crítica à hipocrisia e à superficialidade da sociedade. Noel Rosa denuncia a futilidade de muitas das nossas preocupações e a importância de cultivar valores mais profundos. Enquanto uma suposta aristocracia seria vista como portadora da felicidade aos olhos da sociedade, Noel reforça que quem detém tal alegria na verdade é aquele que se desvincula das hipocrisias e futilidades das normas sociais vigentes - e vale lembrar que Noel está criticando a sociedade brasileira da década de 1930, mais especificamente a sociedade carioca.


A música "Filosofia" nos mostra que a obra de Noel Rosa vai muito além do mero entretenimento - sim, já houve tempo em que a cultura estava além do entreter. Suas canções são verdadeiras lições de vida, que nos convidam a refletir sobre questões existenciais, dos modos pelos quais queremos e atuamos para conduzir a nossa vida, e, também, a construir uma sociedade mais justa e humana, talvez livre dos processos limitadores da liberdade de nossa existência que são ilustrados na superficialidade de uma "elite" cultural e social.


A canção "Filosofia" de Noel Rosa é um convite à reflexão sobre a condição humana e a busca por um sentido para a vida. Ao analisar a letra, podemos perceber que o compositor brasileiro antecipou muitas das questões que ainda hoje nos inquietam. Sua obra, portanto, continua relevante e atual, inspirando novas gerações a pensar de forma crítica e independente.


E você, o que achou da música? Como compreende a crítica proposta por Noel Rosa em sua clássica obra "Filosofia"? Ainda estamos vivendo de modo superficial e fútil? Ainda "fingimos ser ricos para ninguém zombar da gente"? Ou, já entendemos que a vida precisa ser fiel ao próprio sentido de nossa existência?


Espero que tenha gostado desta breve reflexão. Caso possa, ajude este projeto comentando, compartilhando e curtindo. Com o seu apoio poderemos levar o pensamento crítico e a tradição filosófica para mais pessoas.


Até breve.

Respeitosamente.

Prof. Ricardo


Palavras-chave: Filosofia; Noel Rosa; Música Popular Brasileira; Samba; Refletir a vida; Reflexão sobre a vida e sobre a sociedade.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

A Política na obra de Aristóteles: Estruturas, funções e a busca pelo bem comum


Saudações fraternas.

É preciso considerar, com nitidez, que boa parte da nossa compreensão acerca dos fenômenos políticos são profundamente influenciados pela tradição da Filosofia Política e, reconhecer este fato, coloca-nos diante da responsabilidade de estudar com afinco tal tradição.

Nesta ocasião propomos uma espécie de introdução à obra política de Aristóteles (c. 384 a.C.-322 a.C.), sem nenhuma dúvida um dos pilares da política ocidental. Por vezes foi paradigma central da política e mesmo em tentativas de contestação permaneceu referência fundamental para as deliberações, críticas e reformulações dos sentidos e fazeres possíveis à política.

A obra de Aristóteles, especialmente sua reflexão sobre a política, é uma das mais influentes na história do pensamento ocidental. Aristóteles, filósofo grego do século IV a.C., aborda a política não apenas como uma prática de governança, mas como um campo essencial para a realização do ser humano e a promoção do bem comum. Neste artigo, exploraremos os principais conceitos da política aristotélica, suas definições de diferentes formas de governo e a importância da ética na vida política.

📌 Aristóteles e a Natureza Política do Homem:

Para Aristóteles, o ser humano é, por natureza, um "animal político" (zoon politikon). Essa afirmação reflete a ideia de que a vida em sociedade é uma condição essencial e natural para a realização do potencial humano. A política, portanto, não é um mero instrumento de controle, mas uma arena onde os indivíduos podem desenvolver suas virtudes e alcançar a felicidade (eudaimonia).

Aristóteles argumenta que a polis, ou cidade-estado, é a forma mais elevada de organização política, pois permite a convivência e a participação ativa dos cidadãos. A polis é vista como um espaço onde os indivíduos podem viver juntos, compartilhar bens e perseguir o bem comum. Essa visão destaca a interdependência entre a política e a vida moral, pois, para Aristóteles, a política deve servir à promoção da virtude e ao bem-estar dos cidadãos.

A afirmação do humano como "animal político" carrega consigo tanto a noção de necessidade do fazer político, ou seja, não é uma atividade facultativa ou dispensável aos humanos, mas, também carrega a dimensão que as potencialidades humanas só podem ser plenamente realizadas com a participação na esfera política, exigindo que se discuta as possibilidades das formas de governo e a sua capacidade de realizar a participação humana que leva à realização das potencialidades.

Ao observar e descrever a realidade política de seu tempo, Aristóteles compreende que o exercício do poder político possui formas diferentes, especialmente na quantidade de agentes que exercem a liderança do poder, e cada forma possui princípios morais que permitem a concretização de virtudes ou vícios.

📌 As formas de governo - uma classificação das políticas:

Aristóteles desenvolve uma classificação das formas de governo baseada na quantidade de pessoas que exercem o poder e nos objetivos que essas formas buscam. Em sua obra "Política", ele identifica três formas corretas de governo e suas respectivas degenerações:

A Monarquia: é o governo de um único líder que busca o bem comum. Sua degeneração é a "tirania", onde o governante busca apenas seus interesses pessoais.

A Aristocracia: é o governo de um grupo de elites virtuosas, que busca o bem comum. Sua degeneração é a "oligarquia", onde o poder é exercido em prol dos interesses de poucos.

A Politeia ou República: Uma forma de governo que combina elementos da democracia e da aristocracia, focando no bem-estar coletivo, sugerindo o espaço para a participação de todos e o poder centralizado nos virtuosos para a realização. Sua degeneração é a democracia, que Aristóteles considera uma forma de desvio quando se transforma em uma tirania da maioria, onde os desejos da massa prevalecem sobre o bem comum.

Essa classificação reflete a preocupação de Aristóteles com a estabilidade e a justiça nas instituições políticas. Ele enfatiza que o ideal é um governo que represente os interesses de todos os cidadãos, promovendo a participação e a responsabilidade.

📌 A Importância da Ética na Política:

Um dos aspectos centrais da política aristotélica é a relação intrínseca entre ética e política, condição abrangente de todos os pensadores da antiguidade. Aristóteles acredita que a política deve estar fundamentada em princípios éticos, pois o objetivo final da vida política é a promoção da virtude e da felicidade dos cidadãos, o que podemos chamar de bem coletivo. Para ele, as leis e as instituições devem ser orientadas para cultivar boas práticas e comportamentos virtuosos.

Nesse contexto, a educação desempenha um papel crucial. Aristóteles defende que a formação moral e cívica dos cidadãos é essencial para a construção de uma sociedade justa. Ele argumenta que um bom cidadão deve ser educado tanto na ética quanto na política, desenvolvendo a capacidade de discernir o que é melhor para a comunidade acima dos bens pessoais. Essa intersecção entre ética e política é um legado duradouro que influencia a filosofia política até os dias atuais.

Este estreito vínculo entre política e ética visto na antiguidade, e em especial na obra de Aristóteles objeto deste estudo, talvez possua uma vantagem explicativa para as instituições políticas. A política não é instrumento pronto, mas, ao contrário, a política, assim como a ética, são dimensões da existência humana que devem buscar a boa vida tanto individualmente quanto coletivamente.

📌 A teoria da justiça na política de Aristóteles:

A justiça é um conceito central na política de Aristóteles. Para ele, a justiça é a virtude que garante a harmonia e a equidade nas relações sociais. Aristóteles distingue entre dois tipos de justiça: a justiça distributiva, que se refere à distribuição equitativa de bens e honras, e a justiça corretiva, que trata das reparações e restituições quando ocorrem injustiças.

Essa abordagem à justiça reflete a visão de Aristóteles de que uma sociedade justa deve ser capaz de equilibrar os interesses de seus cidadãos, garantindo que todos tenham acesso a oportunidades e recursos. A justiça, assim, se torna um pilar fundamental para a estabilidade e a prosperidade da cidade.

📌 O legado da filosofia política de Aristóteles:

A obra de Aristóteles sobre política é uma contribuição monumental e clássica que continua a influenciar o pensamento político contemporâneo. Sua abordagem holística do funcionamento das cidades, que integra ética, justiça e a natureza humana, oferece um modelo para a análise das instituições e das práticas políticas no conjunto das atividades humanas sociais. Aristóteles nos lembra que a política não é apenas uma questão de poder e controle, mas, acima de tudo, uma busca pela realização do bem comum e da virtude.

O legado de Aristóteles nos convida a refletir sobre a importância da participação cidadã, da educação cívica ou cidadã e da promoção de valores éticos nas relações sociais. A filosofia política de Aristóteles nos convida a analisar as realidades existentes, classificar, entender e refletir sobre os princípios que as sustenta e compreender que para a construção do bem comum diferentes métricas podem ser exercidas.

Em suma, Aristóteles se tornou um clássico da tradição humana por sua alta capacidade de compreender a multiplicidade de fenômenos políticos de seu tempo, buscando formas de analisar racionalmente e consistentemente, embasado visões que permitiriam aplicar as métricas em novos modelos de sociedades e cidades. Desta forma, possibilitou as categorias para a discussão política e ética com delimitação semântica e epistêmica, apoiando o grau de segurança e validade das análises e propostas de intervenção na realidade. Não é a toa que o preceptor de Alexandre, o Grande, tenha ganhado tamanha atenção. É necessário estudar o conjunto das obras de Aristóteles, incluindo um estudo aplicado sobre a política, caso estejamos dispostos a compreender a nós mesmos nos laços de nossa humanidade.

Espero que tenham gostado e, caso possam, ajude este texto a chegar no máximo de pessoas possíveis. Compartilhe, comente e curta!

Até breve.
Respeitosamente.
Prof. Ricardo

Palavras-chave: Aristóteles; política; filosofia política; ética; monarquia; tirania; aristocracia; oligarquia; república; democracia; história da filosofia; história da filosofia política

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